Pintura Arq. Eduardo Moreira Santos, Lx (28.08.1904 - 23.04.1992)

quinta-feira, 15 de setembro de 2016

Angola – Novo disco de Nástio Mosquito

É um acontecimento importante para a cultura angolana, acreditem. Hoje sai o novo disco do Nástio Mosquito. “Gatuno, EImigrante & Pai de Família” é o álbum sucessor de “Se eu fosse angolano – S.E.F.A.” (2014), e constitui a segunda peça de uma trilogia que vai-se fechar num terceiro, que se chamará “Funcionalidade Espiritual” ou “Espiritualidade Funcional”.

Primeiramente, fã me declaro. Mas o que acontece em “Gatuno, EImigrante & Pai de Família” é de uma intensidade poética e musical que coloca ao Nástio num outro patamar, como fazedor de canções, como cantor que redescobre a sua voz, como músico que também é, entre os vários papéis e personagens que veste e despe, sempre sem medo.

O som da banda que o acompanha, formada por Ndu (percussão), João Gomes (teclado) e Hugo Antunes (contrabaixo), chega-nos compacto, como uma massa sonora que se mexe entre o jazz, os ritmos angolanos, o soul, o rock psicandélico e outras etiquetas que só servem para confundir. Porque acredito mesmo que existe aqui algo de singular, que faz deste trabalho um álbum de culto. Um novo clássico.

O nosso Ndu, um músico fantástico, assegura uma paisagem rítmica do mais rico e completo que há, sem nunca soar fora do lugar, casando na perfeição com a cadência da voz do Nástio e com a forma com que ele diz as palavras. É a raiz, o cordão umbilical com a terra batida. Hugo Antunes faz um trabalho exemplar no contrabaixo, levando as músicas para uma atmosfera expansiva, abrindo espaços verdadeiramente surpreendentes, em groove e em harmonia. João Gomes chega com os seus teclados e pianos, como se viesse de um túnel do tempo, como um vinil antigo, de som fumado, negro e às vezes psicadélico.

Depois há a voz do Nástio. E há uma nova voz do Nástio em “Gatuno, EImigrante & Pai de Família”, mais profunda, mais honesta, mais de dentro, com uma melancolia intimamente bela e simples. Arrisco-me a dizer que há menos personagem e mais dele nestas canções e esse movimento vem sem hesitação, como aquilo que é preciso e necessário.

As letras, quase todas escritas num dialecto particular do inglês, são uma reflexão sobre questões de identidade, à semelhança do “S.E.F.A.”, mas dando um passo adiante, sobre a idade do tempo, sobre a fé, sobre o poder, sobre o verbo “ser”. Muitas vezes ouvimos a voz de um homem negro à procura de si, do seu lugar noutras geografias, o tal “eimigrante”, deslocado, fragmentado, confuso. Outras vezes ouvimos o personagem que já conhecemos: irónico, crente, descrente, desapegado, apegado, louco, politizado, ousado, o “gatuno”.

Mas onde o Nástio nos prende neste disco é com essa voz melancólica, que chega a ser sentimental, frágil e humanizada, o tal “pai de família”. Esse é, para mim, o universo mais revelador deste disco.

Assim começa, com o acorde inicial de “Bloody kind of love”, abrindo uma janela íntima onde a voz do cantor aparece pungente e dolida e redentora. “Encosta na parede” aprofunda a proposta e acho mesmo que estas duas canções de abertura são as minhas favoritas.

Todas as letras são ricas, cheias de significados, do início ao fim. E no meio de tudo isto, ainda queremos cantar com ele os coros, que ficam na rádio-cabeça. Queremos chamar juntos pelo “Hilário”, dançar com ele, mergulhar na doçura de “The age I don’t remember”, meio Leonard Cohen, com uma homenagem escondida ao André Mingas, lembrando o verso: “deixa esse vinho fermentar, virar licor”.

É disso mesmo que se trata. Um vinho velho. Uma nova idade. Um outro olhar. Uma voz mais grave ainda. E uma obra que é um novo clássico.

Queremos mais deste Nástio. Mais e mais. Aline Frazão – Angola in “Rede Angola”

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